“Nada nos é oferecido, tudo é uma conquista”, diz
Conceição Evaristo
Publicado em 08/03/2021 – 06:15 Por Ana Graziela Aguiar – Repórter da TV Brasil –
Brasília
Fot6o de Tânia Rêgo/Agência Brasil
Fonte Agência Brasil
Ser mulher é enfrentar um desafio diferente todos os dias. É superar barreiras,
muitas vezes, invisíveis. Apesar de serem a maioria da população brasileira
(51,8%, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE), elas
ainda enfrentam cenários desiguais, seja na divisão das tarefas domésticas ou
nos ganhos no mercado de trabalho. Muitas vezes, elas assumem tripla
jornada. Saem para trabalhar, cuidam da casa, dos filhos. Em vários lares, elas
são arrimo e sustentam sozinhas suas famílias. Segundo dados do Instituto de
Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea), em 2018, 45% dos domicílios
brasileiros eram comandados por mulheres.
Mas, apesar de liderarem casas e assumirem as contas, as mulheres ainda
têm de lidar com a discriminação. Estudo do Programa das Nações Unidas
para o Desenvolvimento (Pnud) mostra que 90% da população mundial ainda
tem algum tipo de preconceito na questão da igualdade de gênero em áreas
como política, economia, educação e violência doméstica.
Segundo o estudo, que analisou dados de 75 países, cerca de metade da
população considera que os homens são melhores líderes políticos do que as
mulheres, e mais de 40% acham que os homens são melhores diretores de
empresas. Além disso, 28% dos consultados consideram justificado que um
homem bata na sua esposa. Apesar da longa jornada enfrentada por elas ao
longo da história, os números mostram que ainda há muito a caminhar.
Marco histórico
Considerado marco histórico na luta das mulheres por mais oportunidades e
reconhecimento, o 8 de março foi instituído como Dia Internacional da Mulher,
pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 1975.
Muitos historiadores relacionam a data a um incêndio ocorrido, em 1911, em
Nova York, no qual 125 mulheres morreram em uma fábrica têxtil. A partir daí,
protestos sobre as más condições enfrentadas pelas mulheres trabalhadoras
começaram a ganhar espaço.
Mais de um século depois, as mulheres seguem na luta por igualdade de
direitos
Para a juíza Martha Halfeld, primeira mulher a ocupar a presidência do Tribunal
de Apelações da Organização das Nações Unidas, não há mais espaço para a
ideia de “concessão masculina”. Tudo o que as mulheres conseguiram, ao
longo da história, foi com base em muito trabalho, dedicação e suor. Na visão
da juíza, o 8 de março deve ir muito além de flores ou presentes.
"Oferecer a rosa, pode ser visto como: eu te concedo uma assistência. Eu,
homem, te concedo aquilo. Hoje, não existe mais espaço para eu concedo.
Não, nós conquistamos. E nós conquistamos com muito trabalho um espaço de
perfeita igualdade em termos intelectuais, pelo menos. Temos tanta
capacidade intelectual quanto qualquer homem”, afirma Halfeld que permanece
na presidência da Corte até janeiro de 2022 e segue na ONU até 2023.
Livro como arma
Para conquistar um espaço na academia e na literatura, a mineira Conceição
Evaristo sabe o quanto teve de lutar. Sua primeira arma foi o livro, que a
acompanhou desde a infância pobre vivida em Belo Horizonte. "Eu não tinha
muita coisa em termos materiais. Brinquedo era uma coisa rara, passear era
uma coisa muito rara, viajar muito menos. Então, o livro vem preenchendo um
vazio. A escola onde estudei os meus primeiros anos primários tinha uma
biblioteca muito boa. Desde menina, eu sempre gostei de leitura.”, conta.
Segunda de nove irmãos, a escritora foi criada pela mãe e por uma tia.
Conceição, que trabalhou como empregada doméstica e lavadeira, foi a
primeira da família a conseguir um diploma universitário.
Depois da graduação, veio o mestrado, o doutorado e as aulas em
universidades públicas. Em paralelo aos estudos, ela se dedicava a outra
paixão: a escrita. Seus contos e poemas foram publicados na Série Caderno
Negros, na década de 1990, e seu primeiro livro, o romance Ponciá Vicêncio,
foi publicado em 2003.
Em 2019, foi a homenageada do Prêmio Jabuti, um dos mais importantes da
literatura brasileira. "Foi preciso um prêmio me legitimar. Enquanto eu não
ganhei o Jabuti, as pessoas não acreditaram que estavam diante de uma
escritora negra”, afirma.
Reconhecida como uma das escritoras brasileiras mais importantes da
atualidade, Conceição conta que as barreiras que teve de enfrentar por toda
sua vida foram o combustível para suas obras. "A minha escrita é
profundamente contaminada pela minha condição de mulher negra. Quando eu
me ponho a criar uma ficção, eu não me desvencilho daquilo que eu sou. As
minhas experiências pessoais, as minhas subjetividades, o lugar social que eu
pertenço, isso vai vazar na minha escrita de alguma forma.”
Para ela, o 8 de março é uma data para ser celebrada, mas também um
momento de reflexão e de vigília constante. "Todas as mulheres precisam ficar
alertas àquilo que é do nosso direito, àquilo que nós temos de reivindicar
sempre porque nada, nada nos é oferecido, tudo é uma conquista”, conclui.
Edição: Lílian Beraldo